Coragem

Coragem... O que é ter coragem? Você conseguiria identificar uma pessoa corajosa? Ou quem sabe, ver no seu passado momentos de coragem? Ou da falta dela?

Engraçado como uma palavra te leva a pensar em situações/imagens/cenas tão longe do que ela realmente significa. Por muito tempo essa palavra remetia a atos heróicos, de pessoas se jogando em situações de risco e saindo de lá vitoriosas. E logo percebi a ausência completa dessas "cenas" na minha vida. Foi um tanto triste.
Nunca tive uma história empolgante de brigas na juventude, ou algo do gênero, onde um ato de coragem pudesse surgir e dar um certo glamour a minha pobre biografia. Com uma vida pacata, vivi uma vida sem atos de coragem.

Mas então vêm os filhos (no meu caso uma filha), e com eles, uma nova forma de ver as coisas à volta. Um novo modo de ver o mundo, muito mais próximo de como ele realmente é, sem grandes ilusões sobre ele e muito menos sobre si próprio.

A partir daí consegui ver a coragem como ela é! Até em mim, pude encontrar certos lampejos de coragem.
Mas não é em mim que vejo a coragem vibrante, se manifestando diariamente. É na Sofia que eu a encontro, e é dessa coragem que me alimento quando não é suficiente.

Explico. Ou melhor, exemplifico.

É como na natação, que ela começou a fazer há pouco tempo. Na primeira aula, ela me confessou que seu queixo tremia de medo ao entrar na piscina. E depois de algumas poucas aulas, ela já começa a esboçar suas primeiras braçadas, atravessando a piscina com pequenas pausas para recuperar o fôlego. Parando, inclusive, na parte mais funda da piscina, onde ela não tinha coragem nem de chegar.
Ou quando vamos fazer coleta de sangue, e na sala de espera ela me olha nos olhos e confessa estar com muito medo. E apesar disso, quando houve seu nome sendo chamando, levanta e pega na minha mão, ou na mão da minha esposa, e caminha sem hesitar até a sala da coleta. Coragem de olhar para a "titia" e dizer "estou com medo tia!". E mesmo assim estende o braço pacificamente, enquanto lágrimas escorrem pelo rosto.
Sem falar na coragem diária que toda criança com diabetes têm. Com sua rotina de furar o dedo para medir a glicose, fazer as "picadas" de insulina antes do café da manhã, antes do almoço, café da tarde e por fim na janta. Coragem de se cuidar, de manusear seus próprios medicamentos sem grandes queixas ou resistência.

São nesses pequenos atos do cotidiano que a coragem aflora. É na "não hesitação", nos pequenos "sins" frente ao medo.

Montanha Solitária

É como na história dO Hobbit, onde Bilbo Bolseiro abandona seu confortável lar para se envolver em diversas aventuras perigosas, enfrentando trolls, goblins e aranhas gigantes. Mas o seu grande ato de coragem é perfeitamente descrito por J. R. R. Tolkien, quando ele precisa entrar na Montanha Solitária, onde está Smaug.

"Conforme avançava, o brilho crescia e crescia, até que não havia mais dúvidas a respeito. Era uma luz vermelha, que ia ficando cada vez mais e mais vermelha. Além disso, agora estava indubitavelmente quente no túnel. Nuvenzinhas de vapor flutuavam em volta dele, e Bilbo começou a suar. Um som também começou a ecoar em seus ouvidos, uma espécie de borbulhar, como o barulho de uma panela grande fervendo no fogo, misturado com um tremor, como de um gato gigante ronronando. O som foi crescendo até se tornar o barulho inconfundível vindo da garganta de um vasto animal roncando em seu sono, lá embaixo, em meio ao brilho vermelho diante dele.
Foi nesse ponto que Bilbo parou. Seguir em frente depois disso foi a coisa mais corajosa que ele já fez. As coisas tremendas que aconteceram depois não foram nada se comparadas a isso. Ele enfrentou a batalha verdadeira sozinho no túnel, antes que chegasse a ver os vastos perigos que estavam à espera. De qualquer modo, depois de uma parada curta, em frente ele foi, ..."

Há outra passagem, agora no filme O Hobbit, que descreve perfeitamente essa minha relação com a coragem da Sofia. Quando Galadriel pergunta a Gandalf (também chamado de Mithrandir) o motivo dele ter envolvido o pequeno hobbit naquela aventura.

Galadriel: Mithrandir, porquê o pequeno?
Mithrandir: Eu não sei. Saruman acredita que apenas um grande poder pode manter o mal sob controle. Mas não é o que eu descobri.
Mithrandir: Descobri que são as pequenas coisas, as tarefas diárias de pessoas comuns que mantêm o mal afastado. Simples ações de bondade e amor.
Mithrandir: Por que Bilbo Bolseiro?
Mithrandir: Talvez seja porque eu tenha medo. E ele me dá coragem.

É assim que vejo a relação entre pais e filhos. Quanto mais eu vejo coragem na Sofia, mais ela me inspira a agir corajosamente frente a qualquer desafio da vida. Ao mesmo tempo que ela se sente mais confiante, na medida em que eu transmito segurança à ela. De certa forma, um ajuda o outro e é ajudado ao mesmo tempo.
Essa é a grande mágica que ocorre dentro de um lar, que ninguém consegue explicar através de palavras.

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